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doc africanas

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Um documentário longa metragem falando sobre mulheres das mais diferentes culturas africanas e do embate entre aqueles mundos com o nosso: esta é a proposta que esta sendo financiada coletivamente via movere.me. E só quando o projeto alcançou os 15% do financiamento (viva!) é que me dei conta de como o conteúdo dele e a forma de banca-lo estão intimamente interligadas… me explico:


Viajei pela África no ano passado por quase sete meses. Tive em algum momento um desejo bonito – inocente mas genuíno – de encontrar raízes. No Brasil sou branca mas tem um bisavô da minha vó que era negão. Nunca soube muito dele: só que teve um filho com uma índia, que deixaram pra algum branco criar. E sempre gostei de samba, fiz capoeira e sempre achei que era neguinha lá dentro…. (segue…)

E logo que cruzei o Atlântico entendi que este sentimento não se refletia de forma alguma na imaem que os negões com quem cruzava faziam de mim. Em muito lugar eu era só uma branca, branquinha: “de onde?”, “do Brasil”, “ah… Brazil, na Europa”… Este meu Brasil virou qualquer coisa entre França e Noruega; eu era só meu avô italiano, minha tataravó portuguesa. Assim a viagem seguiu por algum tempo no movimento exatamente contrario ao sonhado. Quanto mais eu entrava na África, mais me identificavam com a Europa; mais eu me sentia, por assim ser vista, como do continente de cima.

Até que a viagem acabou e eu subi. Fui apresentar o projeto do documentário gravado no caminho no DocBarcelona. Tinha ganhado uma bolsa para participar, estava muito orgulhosa e um inglês quis falar comigo. Ele achou muito interessante a história da brasileira que vai buscar suas raízes na Mama África. Expliquei que o doc pretendia ir um pouco para um outro lado. Que ele pretende discutir como que nossa cultura Ocidental ao não se ver no Outro, no diferente, cria uma incompreensão que gera pré-conceitos e justifica relações tão cruéis como a que o mundo Ocidental criou na África: escravidão, colonialismo. “Ou seja”, conclui, “o documentário é o choque da visão de uma ocidental viajando pela África”. O inglês então me olhou com uma cara que nunca tinha visto e disse assim mesmo – mas em inglês, claro: “mas como que você vai nos convencer de que você é Ocidental?”.

Meu Deus… eu que acabava de deixar de ser neguinha acabava de descobrir que também não fazia parte do mundo dos não orientais. Perguntei para muitos outros europeus depois: “sou Ocidental?” e a resposta era unanime: “não…”. “Sorry?” foi o que respondi para o inglês e nem sei o que disse depois porque demorei uns dois meses para processar esta nova negação identitária.

E então entendi que sou este “povo novo”, como diria Darcy Ribeiro. Que mistura todas as raças – muito mais que supõe parte dos africanos que conheci e de forma muito menos pacífica e natural que tem certeza boa parte dos europeus que conheço – mas, sem dúvidas, uma outra coisa. Nem lá, nem acolá: aqui mesmo. Ou como diria uma amiga frente a minha inicial indignação: nem Ocidente, nem Oriente, Oxente!

E depois de entender que os europeus talvez não fossem dar dinheiro para uma não ocidental discutir o choque de cultura do Ocidente com a África, nem os brasileiros para uma brasileira que não encontrou suas raízes no continente mãe fui apresentada pela Senhora Internet ao tal do financiamento coletivo*.

Cansada de enterrar documentários antes de pari-los decidi apostar. Coloquei o Africanas no movere.me. Quando cheguei nos 10% do financiamento começou o milagre. Além de suspirar pensando que poderia – poderei! – alcançar os recursos para editar o sonhado doc comecei a receber e-mails. Emails de pessoas que sonham como eu: uma se oferecendo para ajudar na legenda, outro para criar pagina facebook para o doc, outro perguntando o que ele e o Centro de Direitos Humanos onde trabalha podem fazer para ajudar, assessor de imprensa oferecendo para divulgar… Gente com quem nunca falei e que completamente desconheço apoiando meu sonho, e apoiando em cash!

E agora, já nos 15%!, que me dei conta: o que estou fazendo é usando a tecnologia e uma ferramenta do norte, o tal do crowdfunding*, e recebendo respostas numa estrutura de economia informal bem africana – em que a solidariedade vai nutrindo e contribuindo para que a coisa funcione…. Nada mais brasileiro!

Para conhecer o projeto, ajuda-lo a tornar real, doar e ganhar prêmios clique aqui

* O crowdfunding – literalmente: financiamento da multidão – usa a internet para arrecadar no ‘tudo ou nada’. Ou seja, se a verba para viabilizar o projeto não for arrecadada no prazo estipulado, as doações voltam para os doadores. Além disso, para cada valor de doação corresponde um prêmio bacana. Nos EUA o principal site de crownfunding, o kickstarter.com, fez girar mais de US$ 50 milhões em seus dois primeiros anos de existência…. nada mal…. O financiamento coletivo começa a ganhar força no Brasil. O Movere.me – que abriga o projeto Africanas – é novinho e o Catarse.me se destaca no cenário nacional.


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